PRINCÍPIOS CONSTITUCIONAIS FUNDAMENTAIS
- INTRODUÇÃO
Os direitos fundamentais são o conjunto de direitos estabelecidos por determinada comunidade política organizada, com o objetivo de satisfazer ideais ligados à dignidade da pessoa humana, sobretudo ligados à liberdade, à igualdade e à fraternidade.
Na Constituição Federal de 1988, foram elencados direitos fundamentais no Título II (Dos Direitos e Garantias Fundamentais). O referido título é composto por 5 capítulos:
- Capítulo I: Dos direitos e deveres individuais e coletivos (artigo 5º)
- Capítulo II: Dos direitos sociais (artigos 6º a 11)
- Capítulo III: Da nacionalidade (artigos 12 e 13)
- Capítulo IV: Dos direitos políticos (artigos 14 e 16)
- Capítulo V: Dos partidos políticos (artigo 17)
- Enumeração aberta dos direitos fundamentais
Os direitos fundamentais previstos na CF/88 não se resumem aos direitos e garantias elencados nos artigos 5º ao 17. Além disso, existem outros direitos e garantias fundamentais que sequer estão no texto constitucional.
É o que a doutrina denomina de enumeração aberta dos direitos fundamentais, ou seja, o rol de direitos fundamentais da Constituição Federal (arts. 5º ao 17) é meramente exemplificativo, existindo previsão constitucional de outros direitos e garantias fundamentais fora do Título II da CF/88 (no Título da ordem social, por exemplo) e outros não previstos na CF/88.
Esse é justamente o teor do art. 5º, § 2º, da CF//88, segundo o qual também são considerados fundamentais outros direitosdecorrentes:
- do regime e dos princípios adotados pela CF/88; ou
- dos tratados internacionais em que a República Federativa do Brasil seja parte.
- Cláusula de complementaridade
É possível que direitos humanos previstos em tratados internacionais sejam internalizados (passando a integrar o ordenamento jurídico brasileiro) e, assim, passem a ser considerados direitos fundamentais, fenômeno conhecido como cláusula de complementaridade.
Um famoso exemplo de direito fundamental não previsto expressamente na CF/88 e que passou a ser reconhecido após internalização do tratado internacional em que foi positivado é o duplo grau de jurisdição (previsto na Convenção Americana de Direitos Humanos, art. 8º, 2, h).
No Brasil, a cláusula da complementaridade foi adotada de forma mitigada (complementaridade condicionada). Isso porque a internalização de direitos previstos em tratados internacionais no Brasil depende:
- do tipo de fonte normativa: o constituinte só se referiu aos direitos e garantias fundamentais provenientes de “tratados internacionais”, não alcançando outras fontes do direito internacional (como o costume e os princípios gerais).
- da conformidade constitucional da norma de direito internacional com a constituição (STF, Pleno, RHC 79.785/RJ).
- do devido processo de internalização do tratado internacional[1].
- Hierarquia dos tratados internacionais
Os tratados internacionais podem ingressar em nosso ordenamento jurídico com três status distintos: status legal, status supralegal e status constitucional.
O passo inicial da análise dos tratados internacionais é dividi-los em dois grupos: os que versam sobre direitos humanos e os que não versam sobre direitos humanos.
Isso porque não há dúvidas quanto à natureza jurídica dos tratados internacionais que não versam sobre direitos humanos: ingressarão no ordenamento jurídico com status de lei ordinária.
Já em relação aos tratados internacionais que versam sobre direitos humanos, o STF, no julgamento do RE 466.343/SP – DJe 05/06/2009, adotou a denominada “teoria do duplo estatuto”, segundo a qual terão:
- status de norma constitucional os tratados internacionais que versam sobre direitos humanos aprovados, após a EC nº 45/2004, pelo rito especial das emendas constitucionais (3/5 dos votos em dois turnos em cada uma das casas do Congresso Nacional);
- Status supralegal todos os demais tratados internacionais que versam sobre direitos humanos aprovados pelo rito comum, independentemente de terem sido incorporados ao ordenamento jurídico brasileiro antes ou depois da promulgação da EC nº 45/2004.
Dessa forma, temos a seguinte sistematização sobre a incorporação dos tratados internacionais em nosso ordenamento jurídico:
TRATADOS INTERNACIONAIS QUE NÃO VERSAM SOBRE DIREITOS HUMANOS |
Status legal (equivalente à lei ordinária) |
TRATADOS INTERNACIONAIS QUE VERSAM SOBRE DIREITOS HUMANOS | ||
ANTES DA EC nº 45/2004 | DEPOIS DA EC nº 45/2004 | |
Status supralegal (acima da lei ordinária e abaixo da CF/88) | APROVADOS PELO RITO DE EMENDA CONSTITUCIONAL | APROVADOS PELO PROCEDIMENTO COMUM |
Status constitucional (equivalente à emenda constitucional) | Status supralegal (acima das leis ordinárias e abaixo da CF/88) |
- APLICAÇÃO IMEDIATA DAS NORMAS DEFINIDORAS DOS DIREITOS E GARANTIAS FUNDAMENTAIS
De acordo com o art. 5º, § 1º, da CF/88, os direitos e garantias fundamentais possuem aplicação imediata:
Art. 5º, § 1º As normas definidoras dos direitos e garantias fundamentais têm aplicação imediata.
Embora o dispositivo acima esteja situado no art. 5º da CF, que trata dos direitos e deveres individuais e coletivos (uma das espécies de direitos e garantias fundamentais), o seu texto refere-se aos direitos e garantias fundamentais, ou seja, alcança todo o Título II da CF/88 (arts. 5º ao 17).
Outro ponto importante para entender o alcance da referida norma é saber que aplicação imediata da norma não se confunde com sua aplicabilidade imediata.
Todas as normas definidoras dos direitos e garantias fundamentais possuem aplicação imediata, mas somente parte delas (a maioria) possuem aplicabilidade imediata, existindo outras tantas cuja aplicabilidade é mediata.
Aplicação imediata quer dizer que:
- essas normas são aplicáveis até onde seja possível, de acordo com as condições que as instituições públicas oferecem; e
- o poder judiciário, caso seja invocado a se manifestar no âmbito de uma situação concreta que envolva uma dessas normas, não pode deixar de aplicá-las, conferindo ao interessado o direito reclamado.
Aplicabilidade imediata, por seu turno, significa dizer que a norma pode ser inteiramente aplicável aos fatos sem que seja necessária nenhuma intervenção prévia do legislador ordinário regulamentando a sua incidência. É o que se dá nas normas de eficácia plena e contida.
Ao contrário, as normas de aplicabilidade mediata, demandam uma regulamentação legal por parte do legislador ordinário para que incidam sobre fatos sem que seja necessário recorrer ao poder judiciário para fazer valer seu direito. É o que se dá nas normas de eficácia limitada.
Exemplos:
- O direito à inviolabilidade do domicílio (art. 5º, XI, da CF/88) tem aplicação e aplicabilidade imediata (direta), ou seja, pode ser totalmente exercido sem que seja necessária uma lei regulamentando esse direito.
- O direito de greve dos servidores públicos (art. 37, inciso VII, da CF/88) tem aplicação imediata e aplicabilidade mediata ou indireta, tendo em vista que o texto constitucional condiciona o seu exercício à regulamentação do direito pelo legislador ordinário (norma de eficácia limitada).
Contudo, mesmo sem existir regulamentação atualmente, o direito de greve pode ser exercido pelos servidores em razão da atuação do STF, que determinou a aplicação da regulamentação já existente para os trabalhadores regidos pela CLT aos servidores, até que sobrevenha norma regulamentadora específica em relação a esses últimos.
ATENÇÃO! Dessa forma, concluímos que os direitos e garantias fundamentais podem estar previstos em normas de eficácia limitada, possuindo aplicabilidade mediata, embora possuam aplicação imediata nos termos do art. 5º, § 1º, da CF/88.
- DIREITOS HUMANOS X DIREITOS FUNDAMENTAIS
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- Direitos Humanos
A expressão “direitos humanos” costuma referir-se a direitos correspondentes ao gênero humano, tratados de maneira supranacional, no âmbito do direito internacional público.
São direitos reconhecidos pelas normas internacionais, posto que inerentes à condição humana. Os direitos humanos possuem fundamentação jusnaturalista (possuem validade atemporal e universal).
- Direitos Fundamentais
Já os direitos fundamentais são direitos estabelecidos no direito público interno de cada Estado. Não correspondem necessariamente ao rol dos Direitos Humanos, pois cada ordenamento jurídico estatal pode estabelecer catálogo próprio de direitos fundamentais.
São direitos estabelecidos pelas normas internas de um país. Os direitos fundamentais contam com uma fundamentação positivista, ou seja, ligada ao direito posto (normas escritas).
- TITULARIDADE DOS DIREITOS FUNDAMENTAIS
O estudo da titularidade dos direitos fundamentais se inicia pela leitura do art. 5º, caput, da CF/88:
Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade (…) (grifei)
A leitura do referido dispositivo, dá a entender que apenas são destinatários dos direitos que prevê os brasileiros e os estrangeiros residentes no Brasil.
Não é, entretanto, a interpretação que deve se extrair do dispositivo.
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- Estrangeiros não residentes
O STF entende que os direitos fundamentais se destinam a todos os estrangeiros, residentes ou não, regulares ou irregulares no Brasil.
ATENÇÃO! Existem, inclusive, direitos fundamentais destinados exclusivamente a estrangeiros, como é o caso do asilo político, que se destina tão somente estrangeiros acusados de crimes políticos ou de opinião.
- Pessoas Jurídicas
É pacífico, ainda, que a pessoa jurídica também é titular de direitos fundamentais, por exemplo, o direito à propriedade.
Prevalece, inclusive, que até mesmo as pessoas jurídicas de direito público, nacionais e estrangeiras, podem ser titulares de direitos fundamentais. Ou seja, até mesmo o próprio Estado também é titular dos direitos e garantias fundamentais.
Por fim, autores, como Celso de Mello, admitem que as quase pessoas jurídicas (centros de imputação de direitos e obrigações desprovidos de personalidade jurídica), podem ser titulares de direitos fundamentais (como os condomínios, massas falidas e etc.).
CUIDADO! Como visto, portanto, os direitos e garantias fundamentais alcançam todas as pessoas (físicas ou jurídicas, estrangeiros ou brasileiros). Todavia é muito importante perceber que nem todos os direitos alcançam todas as pessoas. De forma genérica podemos afirmar que os direitos e garantias fundamentais alcançam todas as pessoas. Mas é errado afirmar que todos os direitos e garantias fundamentais alcançam todas as pessoas. Isso porque alguns deles alcançam somente determinada parte das pessoas, como ocorre, por exemplo, com o direito de asilo político, que se aplica tão somente aos estrangeiros. |
- DIMENSÃO OBJETIVA E SUBJETIVA (BINÔMIO DE JANUS)
Os direitos fundamentais devem ser enxergados a partir de duas perspectivas distintas e complementares: subjetiva e objetiva.
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- Dimensão Subjetiva (Clássica)
Na dimensão subjetiva, os direitos fundamentais dizem respeito aos sujeitos da relação jurídica. Sob essa perspectiva, os direitos fundamentais são fontes de direitos subjetivos.
Em outras palavras, nessa acepção, os direitos fundamentais permitem que os indivíduos exijam a prestação de utilidades públicas e a garantia de proteção de seus direitos de maneira direta e imediata perante o Estado e, também, perante particulares em relações jurídicas privadas.
- Dimensão Objetiva
A perspectiva objetiva é aquela que faz com que os direitos fundamentais sejam vistos como fontes de deveres de proteção.
Na perspectiva objetiva, podemos dizer que os direitos fundamentais irradiam os seus efeitos para toda a atuação Estatal (eficácia irradiante dos direitos fundamentais), seja orientando o Legislativo a elaborar a lei, seja para a Administração Pública “governar”, seja para o Judiciário resolver eventuais conflitos (ainda que ocorridos em relações privadas).
Pode-se dizer que, em sua dimensão objetiva, os direitos fundamentais se constituem em valores que devem ser observados em todas as relações jurídicas estabelecidas em sociedade.
São as diretrizes que norteiam a atuação estatal e também as relações privadas (entre particulares).
Exemplo: A CF/88 garante o direito à assistência jurídica integral e gratuita aos que comprovarem insuficiência de recursos (art. 5º, LXXIV, da CF/88).
Em relação a esse direito fundamental, podemos observar a sua dimensão subjetiva (possibilidade de o cidadão pleitear perante o Estado a satisfação de seu direito, exigindo a assistência jurídica gratuita prometida).
E podemos observar também a sua dimensão objetiva (necessidade de que o Estado adote medidas concretas no sentido de possibilitar a implementação do referido direito, por exemplo, criando, organizando e estruturando uma Defensoria Pública eficiente).
- EFICÁCIA DOS DIREITOS FUNDAMENTAIS
Eficácia é a capacidade para produzir efeitos. Pela doutrina tradicional, os direitos fundamentais produzem os seus efeitos em dois planos: vertical e horizontal.
No plano vertical, estariam abrangidas as relações desiguais estabelecidas entre Estado e particular; enquanto, no plano horizontal, seriam atingidas as relações entre iguais, ou seja, entre particulares.
É importante salientar que, para parte da doutrina, há ainda um terceiro plano de atuação dos direitos fundamentais, no qual haveria a sua eficácia diagonal, assim considerada como aquela que abrange as relações entre particulares nas quais há manifesta posição de vulnerabilidade de uma das partes em relação à outra.
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- Eficácia Vertical
A eficácia vertical é aquela decorrente de uma relação entre o Estado e os cidadãos, relação na qual o Estado assume posição de superioridade em relação aos cidadãos.
Nessa relação, os direitos fundamentais exercem o papel de limitar a atuação estatal, servindo como valores que devem direcionar as ações do Estado, impedindo abusos e ingerências arbitrárias na esfera de liberdades individuais, além de garantir a prestação devida das utilidades públicas necessárias aos indivíduos.
- Eficácia Horizontal (Privada/ Externa)
A eficácia horizontal é aquela decorrente de uma relação entre particulares, na qual todos atuam em pé de igualdade, sem que uma parte assuma superioridade sobre a outra. Ou seja, os direitos fundamentais não obrigam apenas o Estado, mas também os particulares que travem entre si uma relação jurídica.
- Aplicabilidade da Eficácia Horizontal dos Direitos Fundamentais
Embora já esteja superada a discussão sobre a aplicabilidade dos direitos fundamentais nas relações privadas, sendo inconteste a sua aplicabilidade, a forma de incidência dos direitos fundamentais nessas relações ainda é sede de divergências doutrinárias.
Duas são as correntes que analisam a forma de aplicação dos direitos fundamentais nas relações particulares:
- 1ª corrente: eficácia indireta e mediata; e
- 2ª corrente: eficácia direta e imediata.
1ª corrente: Eficácia indireta e mediata
Para essa corrente, os direitos fundamentais previstos na CF/88 apenas podem ser aplicados indiretamente às relações privadas, portanto, somente após a intervenção do legislador ordinário.
Dessa forma, não seria possível aplicação direta dos direitos fundamentais previstos na CF/88 às relações privadas. Antes, seria necessário que o legislador definisse em lei a amplitude e a forma de aplicação desses direitos.
2ª corrente: Eficácia direta e imediata
Para essa corrente, os direitos fundamentais, assim como previstos na CF/88, são diretamente aplicáveis às relações privadas, sem que seja necessária nenhuma “ponte” para permitir essa aplicação.
De acordo com esse posicionamento é dispensada, portanto, a atuação do legislador ordinário para a aplicação dos referidos direitos fundamentais, os quais estariam aptos a vincular de modo imediato os particulares.
[1] Primeiro: o presidente da República (pessoalmente ou por meio de plenipotenciário – agente diplomático “acreditado” pelo presidente da República) celebra o tratado internacional. Depois: o Congresso Nacional resolve sobre o tratado (vedadas emendas) através de Decreto Legislativo. Por fim: o presidente da República edita Decreto Presidencial promulgando o tratado e publicando-o.